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Palavra-Flecha

Subtítulo: Precisamos da força de vocês da cidade para que os homens de dinheiro não mexam mais a terra", Davi Kopenawa


Por Paula Rodrigues – UOL Ecoa

Crédito: Thiago Carvalho / UOL


Davi Kopenawa: um yanomami do Brasil. Assim o xamã e escritor se apresentou para uma plateia cheia e emocionada na Bienal do Livro de São Paulo na última sexta-feira (7). Uma salva de palmas veio em seguida — curiosamente puxada pelo escritor, ambientalista e líder indígena Ailton Krenak, que veio prestigiar o amigo.


"Primeira vez que eu vejo tanta gente, parece formiga", disse Kopenawa ao abrir sua fala. Não era exagero. O barulho que a multidão fazia ao lado de fora do quadrado de vidro onde acontecia o debate exigia muito esforço do líder yanomami.


À convite do SESC, Kopenawa veio a capital paulista para falar no painel "Amazônia dos povos e da biodiversidade", composto ainda pelo jornalista e ambientalista Felipe Milanez e mediado pela filósofa Cristine Takuá.


Mesmo com o barulho das "gentes-formigas" Kopenawa insistiu. Queria falar e se fazer entendido por um público majoritariamente não indígena. Foram quase duas horas de conversas sobre a situação do meio ambiente no Brasil.


E da mesma forma que faz em seu livro "A Queda do Céu" (Companhia das Letras, 2015), fez ao vivo: alertou sobre os perigos de destruir a floresta e de tentar acabar com os povos indígenas e seus defensores. Desejou que o livro e aquelas palavras que falava ao microfone servissem como uma flecha no coração da sociedade não indígena para sensibilizá-la e, assim, quem sabe, conseguir mais apoio para os povos indígenas, suas terras e florestas brasileiras.


"Nós precisamos da força de vocês aqui da cidade para pressionar os homens de dinheiro, para que não mexam mais a terra, não destruam mais, para tirar garimpeiros de terra indígena. Tem que ter uma solução, mas precisamos lutar juntos para melhorar", diz Davi Kopenawa neste depoimento dado a Ecoa


O sonho de um xamã


"Eu sonhei que eu vinha aqui contar para vocês sobre a nossa terra. Vocês são jovens mulheres e homens da cidade, nasceram aqui. Crescem sem conhecer a floresta. Não conhecem a alma das montanhas, dos rios, das árvores. Os professores de vocês não apresentaram para vocês o conhecimento tradicional da nossa mãe Terra.


Mas eu também sou professor, só que professor da floresta. Por isso, falo: vocês precisam conhecer a sabedoria dela.


Nós, indígenas e não indígenas, temos culturas muito diferentes. Os indígenas e a floresta são ligados como irmãos. A floresta é uma vida. Ela dá alegria, faz a gente pensar melhor, viver bem, tomar banho em água limpa. É a partir dela que olhamos a beleza do universo.


O povo yanomami protege o meio ambiente há muito tempo. Tem gente que me pergunta o que podemos fazer para melhorar a situação, já que muita gente começou a se preocupar com as mudanças climáticas hoje, mas elas são muito antigas.


Na verdade, agora piorou: o tempo não quer mais abrir, o sol está diferente, é sempre muita chuva ou pouca chuva. Nós sentimos essa mudança.


“Hoje preciso mais do pessoal da cidade. Preciso de apoio. É preciso apoiar a nossa luta porque estamos lutando para defender a nossa floresta, para que nossa terra tenha saúde.Nós precisamos da força de vocês aqui da cidade para pressionar os homens de dinheiro, para que não mexam mais a terra, não destruam mais, para tirar garimpeiros de terra indigena. Tem que ter uma solução, mas precisamos lutar juntos para melhorar.” - Davi Kopenawa, xamã, escritor e líder yanomami


Tietê, um igarapé fedido


Nossa terra antigamente era um lugar bonito, não tinha tanto invasor e empresário interessado em cortar e derrubar árvores para negociar com outros países. Lembro de ver, em 1972, o homem branco fazendo caminho com máquinas grandes, mataram rios, queimaram tudo sem consultar ninguém que já estava lá.


Os garimpeiros entraram em 1986 pela primeira vez lá. Eram muitos, fizeram pista clandestina para avião pousar na floresta. Deu muito trabalho pra gente conseguir tirar eles da nossa terra daquela vez. Mas com eles logo vieram as doenças: sarampo, gripe, malária, tuberculose, a bebida, o pessoal que mata índio.


E hoje os garimpeiros voltaram. Em 2019 pedimos para Funai, para a polícia federal e para o presidente tirar o garimpo de lá, mas deixaram invadir nossa terra yanomami de novo, que foi homologada há 30 anos e até hoje não é respeitada.


Mas eu também vi o igarapé sujo, fedido e envenenado que tem aqui em São Paulo. Ninguém toma mais aquela água. Vocês o chamam de Rio Tietê - e ainda tem o outro, o Rio Pinheiros. Começaram a estragar o meio ambiente aqui e agora estão estragando lá no meio da floresta.


O presidente Jair Bolsonaro entrou como um animal, mexeu tudo, estragou tudo, quer acabar com a gente e com a floresta, deixa morrer meu povo. Para mim ele é tipo macaco que passa pulando e quebrando tudo. Mas ele não respeita nem vocês. Até aqui na cidade ele não deixa vocês felizes.


Que fazer?


Muita gente pergunta o que podemos fazer para melhorar, qual é a solução para as mudanças climáticas? Muita gente começou a se preocupar. Mas a mudança climática é antiga. E hoje piorou.


Sei que vocês da cidade podem nunca conhecer a Floresta Amazônica, mas vocês podem nos ouvir. Os indígenas são os povos modernos da floresta. Sei que ouviram que somos perigosos, dizem que índio é selvagem, sujo, preguiçoso, que não fazemos nada. É mentira.


Vocês precisam aprender a pensar em nós de outra forma. Precisam acreditar na nossa fala indígena. Vocês precisam ouvir nossa fala sobre nossa floresta, nossos costumes, línguas diferentes, lugares diferentes. Outra realidade.


Vocês podem escutar, aprender, pensar. Não é para aprender a nossa língua yanomami, é para aprender a sonhar, aprender a se apaixonar pela floresta. Precisamos nos aproximar. Vocês precisam se aproximar de nós


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