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“Os garimpeiros chegaram querendo guerra”, dizem indígenas Yanomami

Relatos indicam que conflitos com garimpeiros ilegais não cessaram apesar da Operação Omama, da Polícia Federal. A imagem acima mostra a proximidade dos garimpos com as aldeias na TI. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).


“Primeiro chegaram oito homens a pé. No dia seguinte, eles vieram pelo rio e eram 30 pessoas, e depois mais 30. Na sequência vieram os aviões, que traziam mais gente e também carregavam gasolina, mangueira, motosserra e comida. Os homens chegaram primeiro, as mulheres vieram depois. Eles já têm geladeira, televisão, loja, cozinha coletiva e internet. Vieram armados, chegaram violentos, dizendo que não têm medo de ninguém e ameaçando os Yanomami. Eu estou falando dos garimpeiros, que chegaram querendo guerra.”


O relato, dado com exclusividade à reportagem da Amazônia Real por telefone, é de uma liderança indígena da comunidade Komomasipi, região do Parafuri, na Terra Indígena Yanomami, onde, segundo ele, até maio de 2021 era uma área livre do garimpo. De lá pra cá, foi montada uma estrutura ilegal para extrair ouro da TI e as ameaças dos invasores contra os indígenas e invasores já começam a aparecer. “Eles tentaram afogar um Yanomami e andam pela aldeia dizendo que vão matar a gente”, completou a fonte, que terá o nome preservado para sua segurança.


Localizada no extremo Norte do Brasil, a TI Yanomami de 9,6 milhões de hectares abrange os estados de Roraima e do Amazonas, e se estende até a fronteira com a Venezuela. A região do Parafuri, localizada no rio Inajá, na ponta do rio Uraricoera, até então, era considerada uma comunidade pacífica. O Inajá era usado pelas crianças e pelos adultos, seja para tomar banho ou para beber água, mas o antigo cenário de paz já começa a mudar.


Agora, poucos meses depois da chegada dos primeiros garimpeiros invasores, o leito do rio apresenta a cor barrenta típica das consequências trazidas pela extração intensa do solo e pelo uso do mercúrio, substância largamente utilizada na mineração.


Essa destruição que se inicia e o medo que agora assombra a comunidade Parafuri já havia sido denunciada em uma carta escrita a mão e assinada por 15 lideranças Yanomami e encaminhada para a Polícia Federal (PF), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) em Roraima. A carta, que a Amazônia Real teve acesso com exclusividade, traz nomes de alguns garimpeiros envolvidos, alerta para o risco de confronto, pede a retirada imediata dos invasores e relata que o “garimpeiro veio corajoso”.


Segundo o líder Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), cerca de cem invasores chegaram à região e eles já se aproximam das aldeias. “Os relatos que recebemos dos parentes são de que está crescendo a violência nas comunidades. Que os garimpeiros ameaçam as crianças. Já teve caso de agressão com terçado e violência contra as mulheres. Eles [os garimpeiros] também distribuem cachaça para os indígenas, contaminam os rios e ainda levam doenças”, alerta.


Em abril de 2021, a reportagem da Amazônia Real sobrevoou a Terra Indígena Yanomami por duas horas e constatou o rastro de destruição causado pelo garimpo ilegal. As lavras garimpeiras, os acampamentos não indígenas e as pistas clandestinas já são vizinhas das malocas e dos roçados das comunidades Yanomami. A atividade é frenética. O sobrevoo fez parte de reportagem da série “Ouro do Sangue Yanomami”, publicada pela agência Amazônia Real em parceria com a Repórter Brasil.


“Vamos matar os Yanomami”

Indígenas na Aldeia Palimiu (Foto: Condisi-Y)


A expansão dos garimpeiros para a região do Parafuri desvia a atenção dos ataques que os indígenas do Palimiu, aldeia distante a cerca de 200 quilômetros, vêm sofrendo desde maio. Em outro documento obtido com exclusividade pela Amazônia Real, lideranças relatam à HAY sobre a explosão do garimpo ilegal e um novo patamar de violência, marcado por ameaças de morte com atuação de milícias encapuzadas e armadas com fuzis, metralhadoras e bombas.


“A aproximação dos garimpeiros, que era esporádica, tornou-se mais frequente e acompanhada de ameaças. Os Yanomami observam que agora todos os garimpeiros andam fortemente armados, alguns com fuzis e armamento semelhante ao do Exército e da polícia”, indica trecho do relatório sobre a região do Parafuri.


Em 10 de maio, a aldeia Palimiu foi atacada a tiros e, no dia seguinte, seis policiais federais foram à aldeia, mas também foram recebidos a balas pelos criminosos. As suspeitas recaem sobre garimpeiros ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital), que vem se aproximando do garimpo ilegal no Estado pelo menos desde 2018. Foram durante esses ataques que os Yanomami souberam que os homens encapuzados eram guardas contratados para fazer a proteção de uma área de garimpo e que se trata de um grupo particularmente perigoso, que é inclusive temido por outros garimpeiros, ao qual começaram se referir como “oka pë” – “inimigos/agressores”.


Pelo documento enviado à HAY, as recentes ameaças acontecem no cotidiano dos Yanomami, em situações triviais de deslocamento nos arredores das comunidades, em que encontram garimpeiros e ameaçam: “Vamos matar os Yanomami!” ou “vamos acabar com os Yanomami!”.


Segundo os relatos, os garimpeiros afirmam que o ouro está acabando nos canteiros rio acima, e afirmam já terem mapeado a presença do minério próximo às aldeias das novas áreas. “Os garimpeiros estão subindo o rio, continuam os aviões, os helicópteros, os barcos. Principalmente nos rios Mucajaí, Catrimani e Apiaú o garimpo está crescendo. Os invasores sabem que não vai ter operação pesada e eles não têm medo porque sabem que têm autoridades envolvidas”, afirmou Dário.


Garimpeiros escondem maquinário

Material apreendido na Operação Omama (Foto: 1ºBIS-EB)


De acordo com Dário Kopenawa, as operações realizadas na região não são suficientes para a desintrusão total do garimpo na TI Yanomami. “Os garimpeiros são mais espertos do que a Polícia Federal. Eles enterram os maquinários, afundam os barcos, afundam as balsas e escondem os equipamentos nos matos. Eles fogem para a cidade enquanto tem operação e quando acaba eles voltam imediatamente porque não tem controle, não tem uma barreira, não tem monitoramento territorial”, explica.


Os relatos dos ataques mais recentes envolvem garimpeiros armados contra mulheres, jovens e crianças indígenas. No dia 8 de julho, pela manhã, um grupo de mulheres foi atacado. Elas buscavam o corpo de um jovem que havia desaparecido no rio, quando foram abordadas por um barco de garimpeiros armados que dispararam quatro tiros e retornaram para o acampamento.


Na madrugada de 13 de julho, um segundo ataque ocorreu no Palimiu. Eram duas da manhã quando a comunidade foi abordada por dois barcos “lotados” de garimpeiros, que dispararam dez tiros na direção dos Yanomami. Não houve feridos. Já são 13 ofícios enviados às autoridades pela HAY relatando a violência contra os indígenas.


O tamanho da destruição do garimpo ilegal do ouro já chega a 2.430 hectares na TI Yanomami, segundo o relatório da HAY divulgado em maio. Somente em 2020, a degradação havia avançado 500 hectares. “O nosso território não está protegido, não está seguro e os garimpeiros vão continuar entrando. Estamos correndo risco, a violência é grave e somos ameaçados todos os dias. As autoridades precisam eliminar o garimpo ilegal”, afirma Dário.


A Operação Omama

Operação Omama foi ao Palimiu (Foto: 1ºBIS-EB)


O drama vivido pelos Yanomami, tanto em Palimiu como agora no Parafuri, já deveria ter cessado. Pelo menos era esta a promessa da operação do governo federal batizada de Omama. Em 29 de junho, a PF, o Exército, a Força Aérea Brasileira, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Funai e a Força Nacional de Segurança anunciaram a operação de combate à mineração ilegal na TI Yanomami. O objetivo era a desintrusão de garimpeiros e a proteção aos povos indígenas. O nome da operação é uma referência ao criador dos Yanomami.


No entanto, as comunidades indígenas, de acordo com os relatos levantados pela reportagem, continuam reféns da constante ameaça dos invasores. “São muitas armas, armamento pesado mesmo e os invasores ficam dizendo que não têm medo de ninguém, nem da Polícia Federal”, diz um Yanomami da região do Parafuri.

Segundo a liderança Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana (Considi-Y), as operações feitas no território Yanomami precisam ser mais efetivas, porque tão logo são encerradas, a atividade retorna e todo o maquinário é recuperado. Não é à toa que há anos a PF realiza operações na TI Yanomami, mas mesmo assim a atividade do garimpo de ouro segue livremente.


“Os garimpeiros recuperam tudo rápido”, afirma Junior Hekurari, referindo-se às operações da PF. Segundo ele, a situação no Parafuri é caótica, com tráfego diário de pequenas aeronaves e a chegada constante de invasores. “São cinco aeronaves por dia pousando na região”, descreve ele.


A agência procurou a PF e os ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública para obter um balanço da Operação Omama. O Ministério da Defesa indicou que a Amazônia Real procurasse o Ministério da Justiça e o mesmo indicou que se buscasse informações com a Defesa. A PF atendeu à reportagem, mas não enviou as informações até esta publicação.


O MPF de Roraima informou, via Assessoria de Imprensa, que recebeu a carta e atualmente analisa as informações para definir as ações mais adequadas para o caso. A Funai não retornou ao email da reportagem.

Soldados das Forças Armadas durante a Operação Omama (Foto: 1ºBIS-EB)

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