O laço está apertando os Yanomami
A atividade de mineração ilegal explodiu no território da principal etnia amazônica desde a eleição de Jair Bolsonaro. Uma lei federal pendente pode até legalizar o tumulto em andamento
Escrito por Benito Perez para o Le Courrier
Brasil - A situação dos Yanomami no Brasil está se deteriorando rapidamente. O alerta que o ativista brasileiro-suíço Silvio Cavuscens e o representante ameríndio Mauricio Iximaweteri trouxeram a Genebra é muito claro. Desde a chegada de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2019, os principais povos amazônicos viram um aumento sem precedentes de ataques ilegais em seu território localizado no extremo norte do Brasil1, sinal de uma fronteira verde sempre mais permeável a as indústrias de mineração e agrária, explicaram na noite de segunda-feira diante do público numeroso do Uni-Mail (leia abaixo). Alertaram-no para um novo perigo iminente: a provável aprovação pelo parlamento de uma lei que legalizasse essas atividades extrativistas em território indígena.
De sua aldeia de Santa Isabel do Rio Negro, sete dias de canoa de Manaus, Mauricio Iximaweteri empreendeu a viagem a Genebra, uma pergunta cravada no coração:
“Por que os Naps (brancos ou estrangeiros) estão nos ameaçando? Por que eles têm direitos que nós não temos? ele diz calmamente. A indignação quase imperceptível já que a voz é suave.
Destruição de registro
Agente comunitário de saúde há duas décadas, Mauricio Iximaweteri aprendeu português e se envolveu na Kurikama, a associação Yanomami do rio Marauia, um dos oito componentes do Fórum de Líderes Yanomami do Brasil. Uma organização que garante o entendimento dentro deste grupo étnico com seis línguas e 350 aldeias semi-nômades espalhadas por um território duas vezes maior que a Suíça, mas que também defende seus direitos diante de um país cada vez mais intrusivo. Um perigo que na maioria das vezes assume a forma de minas de ouro a céu aberto.
Desde a eleição de Bolsonaro, a superfície do território Yanomami saqueado pelos garimpeiros – garimpeiros clandestinos – se multiplicou por três. A quase total impunidade garantida pelo governo federal e muitos caciques locais tem muito a ver com isso, mas esse avanço brutal também atesta uma crescente colaboração logística entre a indústria extrativa ilegal e os traficantes de drogas. Segundo Silvio Cavuscens, nada menos que quarenta pistas de pouso foram avistadas no território Yanomami e quarenta e quatro em seu entorno. O suficiente para permitir que os mineradores garantam facilmente seus suprimentos no coração da selva.
E o movimento está se acelerando. O relatório da associação Hutukara Yanomami documenta a destruição de mais de mil hectares só em 2021, recorde para essa “reserva” delimitada há mais de trinta anos.
Para algumas comunidades, habitat degradado já rima com privação de alimentos.
Poluição por mercúrio
Além dessa observação angustiante, há menos poluição visível. Como a causada pelo mercúrio, usado para extrair ouro, que já torna a água de certos afluentes do Rio Branco imprópria, no estado de Roraima, leste do país Yanomami. "Sem água, ninguém vive, nem os Cochilos", surpreende-se Mauricio Iximaweteri.
Companheiro de longa data dos Yanomami, Silvio Cavuscens descreve “uma imensa violência” exercida sobre essas comunidades. Diretamente, pois não é incomum encontrar garimpeiros armados demais, que representam um risco particularmente alto para as meninas. Mas também simbolicamente, especialmente quando o suborno de autoridades tradicionais mina a coesão do grupo. O mal-entendido e a confusão se instalaram. "Alguns Yanomami têm medo dos espíritos da floresta, não entendem por que seu mundo está tão de pernas para o ar", explica o suíço radicado no Brasil, fundador em 1991 da ONG Serviço e cooperação com o povo Yanomami (Secoya).
Essas intrusões reforçam a pressão do mundo exterior sobre a sociedade Yanomami, disseminando "as doenças dos brancos", o álcool ou outros "objetos" trazidos pelos Naps, cuja atração exercem sobre os jovens indígenas pode comprometer sua forma de vida frugal e comunal.
“Sem água, ninguém vive, nem mesmo os brancos”
Maurício Iximaweteri
“Os Yanomami têm medo de espíritos, eles não entendem porque seu mundo está virado de cabeça para baixo”.
Silvio Cavuscens
Sinais de esperança
No curto prazo, os Yanomami têm outro medo muito sério concreto: um projeto de lei, já aprovado pela Câmara dos Deputados, planeja suspender a proibição de indústrias extrativas nos territórios ameríndios autônomos. E é uma aposta segura que o Senado seguirá em breve.
O argumento, soprado pelas multinacionais? Uma “regulamentação” das atividades de mineração em países indígenas seria menos danosa do que sua atual prática anárquica. No entanto, observa o Greenpeace, a proteção comunitária da Amazônia de fato serviu de baluarte contra a destruição da floresta primária. Entre 1985 e 2019, calcula a ONG, apenas 1,6% do desmatamento no Brasil ocorreu nas reservas.
Para as organizações indígenas, a posição de Brasília é puramente cínica. Diante da total impunidade em que os garimpeiros trabalham hoje, ninguém imagina que as salvaguardas consagradas na lei pudessem ser respeitadas. Seis meses antes das eleições presidenciais, a aprovação da Lei 191/2020 representaria, ao contrário, a culminação de um mandato que Jair Bolsonaro havia iniciado ao parabenizar os Estados Unidos por terem resolvido a questão indígena já no século XIX! Silvio Cavuscens vê, portanto, sinais de esperança. O encontro em meados de abril de 8.000 indígenas em Brasília sob o emblema de “Terre libre” atesta, segundo ele, a determinação intacta dos primeiros povos em relançar uma luta há muito travada pela ameaça à saúde. Especialmente porque o ano é eleitoral, com eleições presidenciais e legislativas neste outono sobre os quais as organizações indígenas pretendem influenciar. Assim, o fato de 90% dos deputados do Estado do Amazonas terem votado a Lei 191/2020 não passaria despercebido...
Solidariedade e responsabilidade suíças
Uma conferência (ver ao lado), uma exposição e uma mesa redonda. Por ocasião dos 60 anos do Movimento de Cooperação Internacional (MCI), os simpatizantes de Genebra dos Yanomami1 se mobilizaram para dar visibilidade aos seus dois convidados "que vieram pedir à Suíça para pressionar o governo brasileiro", indica Silvio, coordenador da Secoya Cavescens.
Plataforma global de refino de ouro, sede da multinacional brasileira de mineração Vale e de muitas outras empresas extrativistas, a Suíça também não está isenta de responsabilidade pelo mau desenvolvimento da Amazônia. A exposição produzida pelo Collège du Soir e visível até ao final da semana no átrio do Uni-Mail recorda-nos e documenta-o.
Muitos discursos ouvidos na sala destacou os riscos para a Amazônia se a Suíça e a UE ratificarem seus tratados de livre comércio negociados com o Mercosul.
Esta noite, a partir das 19h, uma mesa redonda explorará formas concretas de solidariedade com o povo Yanomami. Além do porta-voz indígena Mauricio Iximaweteri e do coordenador da ONG Secoya, Aurélien Stoll, secretário-geral do Movimento de Cooperação Internacional, associação que atua há muito tempo com os Yanomami, participarão da discussão, e Luisa Cruz Hefti, da Federação de Cooperação de Genebra. BPZ
1 Além do MCI, são o E-Changer, o AYA (Apoio ao Povo Yanomami da Amazônia), a Federação de Cooperação de Genebra e a Cidade de Genebra.
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