Indígenas Yanomami cremam corpo de menina estuprada e morta por garimpeiros
A cremação foi parte do ritual fúnebre da etnia. O MPF e a PF informam que “não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro”; ministra do STF Cármen Lúcia critica a violência contra os povos indígenas
Por: Leanderson Lima
Crédito: Condisi Yanomami
Manaus (AM) – O corpo da menina de 12 anos, estuprada e morta por garimpeiros na aldeia Arakaçá, foi cremado, segundo a tradição dos Yanomami. Esta informação, apurada com exclusividade pela Amazônia Real, deve ser a razão pela qual tanto o Ministério Público Federal (MPF) quanto a Polícia Federal (PF) informam que “não foram encontrados indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro”. Depois de dois dias na Terra Indígena Yanomami, o MPF indicou que ainda é preciso ampliar as investigações sobre o assassinato da menina de 12 anos, segundo denunciou o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY). Representantes do MPF e da PF estiveram na comitiva na visita à TI, que se encerrou nesta quinta-feira (28).
A comitiva colheu depoimentos dos Yanomami na aldeia Arakaçá, na região dos Waikás. Estiveram presentes ainda representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Exército e da Força Aérea Brasileira. A Procuradoria da República em Roraima informou, em nota, que apesar de não ter encontrado indícios materiais da prática dos crimes de homicídio e estupro da menina ou de óbito por afogamento da criança, quer ampliar as investigações. Além do assassinato da yanomami de 12 anos, os garimpeiros atiraram a criança de 3 anos no rio e a tia da menina, que conseguiu escapar nadando até a comunidade, sempre segundo a denúncia do presidente do Condisi-YY, Júnior Hekurari. A mulher é mãe da criança.
Pela nota conjunta, os órgãos não informaram se encontraram a tia da menina, tampouco comentaram sobre a criança de 3 anos. Também não comentaram em nota sobre a cremação do corpo da adolescente. A diligência à TI Yanomami ocorreu nos últimos dois dias.
O caso foi denunciado pelo líder indígena Júnior Hekurari, que é presidente do Condisi-YY. Segundo ele, o ataque aos indígenas aconteceu na última segunda-feira, 25/4. O caso ganhou repercussão nacional.
Segundo Bruce Albert, doutor em antropologia pela Université de Paris x-Nanterre e que trabalha com os Yanomami do Brasil em março de 1975, nos costumes desse povo os defuntos devem ser cremados e chorados coletivamente por suas comunidades e as cinzas dos seus ossos conservadas para serem sepultadas ao longo de várias festas coletivas de aliança (reahu). “O propósito destes rituais é “colocar no olvido” as cinzas do morto, o que deve garantir a viagem sem retorno de sua alma (pore) até as “costas do céu” onde viverá uma nova vida sem mal.” Leia mais sobre o ritual de cremação.
Ministra do STF pede providências
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia afirmou durante uma sessão plenária nesta quinta-feira: “As mulheres indígenas são massacradas sem que a sociedade e o Estado tomem as providências eficientes para que se chegue à era dos direitos humanos para todos, não como privilégio de parte da sociedade. Não é mais pensável qualquer espécie de parcimônia, tolerância, atraso ou omissão à prática de crimes tão cruéis e gravíssimos”, afirmou.
Cármen Lúcia que, com outros ministros da Corte, já teceu críticas ao governo Bolsonaro, repreendeu duramente a violência a que os povos indígenas são submetidos, principalmente as mulheres indígenas. “Não é possível se calar ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostas às mulheres brasileiras, dentre as quais mais ainda as indígenas, que estão sendo mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns”, acrescentou a ministra.
Também nesta quinta-feira, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, falou sobre a barbaridade do caso. “O MPF já acionou a Justiça e se reúne rotineiramente com instituições envolvidas na proteção do território indígena para que se concretizem medidas de combate sistêmico ao garimpo ilegal”, disse.
Na quarta-feira, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) já havia enviado um documento com pedido de providências à vice-procuradora-geral da República. A Hutukara Associação Yanomami (HAY), na quarta-feira, havia tratado o caso do estupro e morte da menina como “suspeito” e informou em nota “que está apurando as informações e que, se confirmado, ele não é um caso isolado”. (Colaborou Kátia Brasil)
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