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Explosão do garimpo, colapso na saúde e união entre as comunidades marcam II Fórum de Lideranças

Publicado no Instituto Socioambiental por Isa em 02.11.21


Em encontro de lideranças Yanomami e Ye’kwana, indígenas denunciam o descaso do poder público com a assistência à saúde e a invasão garimpeira que está destruindo o território indígena

Crédito: Adriana Duarte - Isa


Foram horas de viagem de barco, voo e estrada. Lideranças Yanomami e Ye’kwana saíram da Terra Indígena Yanomami, situada na fronteira com a Venezuela, entre os estados do Amazonas e Roraima, para a Terra Indígena Tabalascada, município do Cantá, ao norte de Roraima, região onde vive parte do povo Wapichana. Mais de 70 lideranças indígenas se deslocaram para participar do II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, que aconteceu entre 4 e 8 de setembro. Já imunizadas com as duas doses da vacina, as lideranças mantiveram os protocolos sanitários de contingência à Covid-19: foram testadas no início e no final do encontro, e mantiveram o uso diário de máscaras e álcool gel. Por trás das máscaras, era possível perceber os sorrisos no reencontro de velhos amigos e guerreiros.


Os debates, discussões, relatos e a produção de documentos com denúncias aos órgãos públicos envolveram representantes das sete associações da TI Yanomami: Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Associação Kurikama Yanomami (AKY), Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (Taner), Hwenama Associação do Povo Yanomami de Roraima (Hapyr) e ainda o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY).


Denúncias de várias regiões da Terra Indígena

Nesta segunda edição do Fórum - a primeira foi realizada em 2019 - participaram homens e mulheres que discutiram os principais problemas em suas comunidades. De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, até setembro de 2021, a área acumulada de floresta destruída pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami superou a marca de 3 mil hectares, um aumento de 44% em relação a dezembro de 2020. As regiões de Waikás, Aracaçá, e Kayanau são as mais impactadas pela destruição, que tem avançado para novas regiões, como em Xitei, onde a atividade teve um aumento de 1000% entre dezembro e setembro de 2021.


Conforme informações do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY) a malária tem tido um crescimento significativo nos últimos anos. Somente ano passado a doença chegou a mais de 27 mil casos registrados. E, até setembro deste ano, já ultrapassou 20 mil casos, intensificada com a presença do garimpo.


O diretor da HAY, Maurício Ye’kwana, reforçou a união de forças de lideranças durante o II Fórum para combater o garimpo e outros problemas. “O Fórum foi criado com a expectativa de ter mais força, mais presença de lideranças indígenas Yanomami e Ye’kwana num espaço de discussão sobre os problemas que atualmente enfrentamos tanto na educação, saúde, invasão do garimpo e gestão do território”.


Durante o Fórum, uma liderança indígena, que por temer por sua vida não pode ser identificada, disse que foi ameaçada de morte e está sendo perseguida pelos garimpeiros. “Eu estou lutando na minha terra. Eu sou liderança. Como eu estou lutando, os garimpeiros estão me ameaçando. Os garimpeiros estão com minha imagem. Eles estão me seguindo para me matar. Os garimpeiros falam: Ele que está nos denunciando. Eles pedem para outros garimpeiros me matar. Eles falam: Mata ele! Vamos acabar com ele logo. Quando ele morrer não vão mais nos denunciar e vamos abrir um garimpo grande”, contou.


Além das ameaças de morte, a liderança também relatou que os peixes estão acabando. “O rio está sujo, por isso eu estou participando do Fórum de lideranças, para denunciar”. Na região do Alto Mucajaí, mesmo com a operação da Base de Proteção Etnoambiental Walopali, com atuação do Exército e Força Nacional, as lideranças denunciaram que os militares não conseguem controlar a forte presença dos garimpeiros, que transitam todos os dias pelo rio. “Lá na minha comunidade não tem coisa boa, está tudo ruim por conta do garimpo no Alto Mucajaí. Nós viemos também para fazer a denúncia lá da base da Funai. Lá tem Força Nacional e Exército, mas não dão conta do garimpeiro que está passando toda hora. E eu como presidente da associação Texoli Ninam (Taner) estou pensando como podemos fazer. Vim falar aqui para essa reunião pensando que o meu povo vai se acabar, vai morrer, por isso que estou aqui no Fórum”, afirmou Eliseu Xirixana Yanomami.


Segundo Francisco Xavier Yanomami, da região de Maturacá, além da extração do ouro ilegal na cabeceira do rio que abastece as comunidades, a entrada de drogas ilícitas também é uma preocupação. “Eles estão aqui. Temos garimpeiros em nossa terra. E o que fazem aqui é ruim para o nosso povo. Não desejamos a amizade deles. Queremos o fim da mineração em nossa terra. Durante este Fórum exigimos o fim do garimpo, fim da mineração, do tráfico e uso de drogas em nossa terra”.


Os debates contaram com a participação de integrantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR) como o coordenador Edinho Macuxi e o advogado Ivo Cípio Wapichana. “Nós trouxemos o contexto do que está acontecendo no Brasil, das ameaças que os povos indígenas estão sofrendo, principalmente, na Terra Indígena Yanomami que tem sido alvo de grandes invasões de garimpeiros, de pessoas que insistem em entrar, explorar e destruir. Então, nossa participação também foi no sentido de trazer todas as ameaças que estão acontecendo no Brasil, no Congresso Nacional, no Poder Executivo e no Judiciário também, que vai afetar a vida dos povos indígenas’, disse o advogado do CIR.


Mães choram pelos seus filhos

A região do Palimiu, situada no Rio Uraricoera, é uma das que têm sofrido com a atividade ilegal do garimpo. Desde maio deste ano, mais de 10 ataques armados foram realizados contra a comunidade, incluindo o uso de bombas caseiras. Um dos ataques resultou na morte de duas crianças Yanomami por afogamento.


Amedrontada, a equipe de saúde deixou o posto em que trabalhava, agravando ainda mais a situação: “Não tem saúde. Eles foram embora quando os garimpeiros nos atacaram. Não tem saúde, por isso nossas crianças estão sofrendo. Nossas crianças estão com dor de barriga e diarreia. Chegou a doença. E nossas crianças estão sofrendo. Eu estou com muita raiva por causa do meu filho que emagreceu muito. Eu estou chorando por causa do meu filho. Eu venho aqui para denunciar o que está acontecendo”, contou uma mãe yanomami.As mulheres Yanomami participaram ativamente do Fórum com representantes que fizeram depoimentos fortes e emocionados.


“Estão acabando com nossas terras, destruindo, ameaçando nossas filhas. A terra já está destruída, cheia de buracos e não tem mais peixes porque os rios estão poluídos, não tem como beber água do rio”, disse uma mulher yanomami, que não quis se identificar por temer por sua vida. Ela contou que é a primeira vez que participa do Fórum e veio representando as mulheres da sua região. “Nós mulheres estamos aqui na reunião lutando por nossos direitos e nós não vamos desistir dessa luta e nós vamos envelhecer lutando”.


Quem veio de mais longe para se fazer ouvir e marcar presença durante o Fórum foi Érica Vilela, da região de Maturacá, que fica próximo ao Pico da Neblina, localizado a 140 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira, ao norte do estado do Amazonas. Para sair de lá, Érica percorreu dois dias de barco, cerca de uma hora de avião e mais algumas horas de estrada até a TI Tabalascada. “Em nome das mulheres eu estou aqui, com os nossos parentes moradores daqui, exatamente para que a gente some força, uma única luta, que estamos fazendo para que o governo brasileiro, nos respeite, respeite o povo da floresta. Nós, Yanomami, sabemos cuidar da nossa floresta. Sabemos cuidar da nossa Mãe Terra, por isso nós não queremos ser perturbados pelo governo. O governo tem que respeitar a gente. Nós indígenas. Povo da floresta”, disse a presidente da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK).


Saúde Yanomami em colapso

Marinaldo Sanöma, da comunidade da Kolulu, região de Auaris, relatou que apesar de haver uma base de saúde na comunidade, não existem medicamentos para o tratamento de malária e os insumos necessários para os exames como microscópios, lâminas e lancetas. Outra preocupação expressada por ele é a falta de oxigênio, insumo fundamental para o tratamento da pneumonia. “Porque sem medicamentos as crianças estão morrendo, estão sofrendo, cansadas, sem oxigênio. Mês passado, três crianças morreram por conta da malária. Por isso estamos muito tristes”.


Por omissão do Estado brasileiro, o garimpo na TIY segue se expandindo e chegou em lugares onde antes não existia. “Eles estão estragando a nossa terra, nossa carne, nosso rio. A gente procura caça muito longe porque o rio e o igarapé onde a gente ia pescar está tudo poluído, está tudo contaminado, só lama, não tem mais peixe”, disse Marinaldo.


O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye'kwana (DSEI-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que representa os Yanomami e Ye’kwana junto ao DSEI-YY nas ações de controle social do órgão de saúde também deu seu depoimento. Avaliou que a saúde na TI Yanomami está em colapso. “Porque a população Yanomami está morrendo e, principalmente, muitas crianças por falta de assistência. Não tem visita dos profissionais, não tem plano de ação de combate à malária. A malária está entrando em todo território Yanomami”. Júnior disse que esse ano já enviou inúmeros documentos ao DSEI-Y denunciando mortes de crianças, falta de medicação, falta de profissionais e até a troca de vacina contra a Covid-19 por ouro. “Como presidente do Considi já denunciei para instituições que são órgãos fiscalizadores, para o Ministério Público Federal. Eu solicitei o plano de ação e imediata intervenção do governo porque o povo Yanomami está morrendo”.


Durante a discussão sobre saúde, as lideranças relataram inúmeros casos de mortes por doenças evitáveis, como a malária, pneumonia, diarreia e até verminose. Há comunidades aguardando meses para receber a visita dos profissionais de saúde, como é o caso de comunidades da região de Xitei, local de difícil acesso, em que a falta de licitação regular para voos de helicóptero impede o atendimento de saúde e os indicadores são inexistentes. As denúncias foram registradas na carta do Fórum sobre a saúde dos Yanomami e Ye’kwana, protocolada no Ministério Público Federal em Roraima.


“Foi o governo brasileiro que trouxe a poderosa xawara”

O líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami esteve atento aos depoimentos, aos debates, e participou dos grupos de trabalho. Davi contou como se sente hoje vendo seu povo morrer por descaso de um governo que implantou uma política anti-indigenista. Relembrou que a xawara (doença) foi trazida pelos napëpë (não-indígenas) com a abertura das estradas. “Faz muito tempo que nós adoecemos. Não foi hoje que a xawara surgiu, ela já existe há muito tempo. Antigamente nós vivíamos bem e saudáveis, mas, a poderosa xawara chegou, lá onde os napëpë apareceram, no lugar onde eles fizeram as estradas. As autoridades dos napëpë fizeram a estrada na direção da nossa floresta e nos fizeram adoecer. Os napëpë que chegaram e a verdadeira xawara forte que chegou, eu os conheço. Assim que aconteceu primeiro, em 1986 eles nos trouxeram a xawara de verdade. Quem foi que trouxe? Foi o governo brasileiro que trouxe a poderosa xawara. Sarampo, malária, pneumonia que devora nosso peito, a tosse. Foram essas que chegaram até nós”.


A piora na qualidade de vida na TI Yanomami expressa-se a partir da memória da vida com saúde que levavam os mais antigos e gera revolta. Durante a reunião, as lideranças formularam duas cartas, uma denunciando a intensa invasão garimpeira e exigindo uma fiscalização eficiente; outra, com denúncias sobre a situação de saúde, em que demandam a atenção especial de saúde a que têm direito. Mais uma vez, o posicionamento do Fórum de Lideranças da TI Yanomami foi claro: O garimpo é muito grave e nenhum de nós vai permitir isso na nossa Terra Indígena. Já vencemos essa luta no passado. O Governo tem obrigação de acabar com o garimpo ilegal na nossa terra e não pode ficar dizendo que é difícil. Cumpram com seu dever e deixem nossa urihi (terra-floresta) viva.


“Nós, juntos com as lideranças e os xamãs, sentamos juntos e fizemos um documento, e escrevemos sobre essa xawara. As coisas que são ruins, quando elas acontecem, nós entregamos essas palavras, assim é certo. Se não tem documentos, os napëpë não fixam seus olhos. Os napëpë não ouvem as palavras. Eles não falam "Awei, eu vou trabalhar, awei, eu vou fazer". Quando eles recebem o documento de verdade, as palavras que nós escrevemos, onde nós vamos entregá-las? Para aqueles de vocês que são nossos amigos primeiro, para aqueles de vocês que são defensores, nós vamos entregar primeiro”.

Pelas ruas de Boa Vista


Para marcar o encerramento do Fórum, as lideranças da TI Yanomami realizaram um protesto na manhã de 8 de setembro, com concentração em frente ao Monumento ao Garimpeiro, no centro de Boa Vista e caminhada pelas ruas da cidade, com faixas onde se lia “Nossa Luta é pela Vida” e “Fora Garimpo, Fora Xawara”. A manifestação se encerrou com a entrega dos documentos do Fórum de Lideranças ao Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério Público Federal (MPF). Leia na íntegra o documento sobre o garimpo e sobre a saúde. Embora não tenham sido recebidos no DSEI-YY, o documento foi protocolado junto a

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