Empresários da Amazônia pedem que Brasil abandone convenção que protege povos indígenas
Em ofício enviado a Jair Bolsonaro no dia 7/7, presidentes de organizações patronais do Pará alegam que Convenção 169 da OIT é “nefasta” e “inibidora do desenvolvimento nacional”; iniciativa contra o direito à consulta prévia é liderada pelo latifundiário José Maria Mendonça
Por Mariana Franco Ramos para De Olho nos Ruralistas
Os presidentes das principais organizações patronais do Pará enviaram um ofício ao presidente Jair Bolsonaro pedindo que o Brasil deixe de ser signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destinada a proteger as populações indígenas e tradicionais através do mecanismo de consulta livre, prévia e informada.
No documento, assinado no dia 07 de julho, eles alegam que o tratado internacional, aprovado em 1989, com o objetivo de superar práticas discriminatórias, é a “causa de inúmeros conflitos, constantes dúvidas e insegurança jurídica”.
— Fica clara a necessidade de deixarmos de ser signatários da Convenção OIT-169, por ser nefasta e inibidora do desenvolvimento nacional e por perpetuar nossos indígenas à situação de miséria e de constantes confrontos.
Quem lidera o movimento é o latifundiário e negacionista climático José Maria da Costa Mendonça, do Centro das Indústrias do Pará (CIP). Foi ele que, há dois anos, encabeçou o apoio do setor a Ricardo Salles, logo após o então ministro do Meio Ambiente defender “ir passando a boiada”, enquanto o país acumulava mortes por Covid-19: “Em carta aberta, industriais paraenses apoiam o ‘passar a boiada’ de Ricardo Salles“.
Também assinam o ofício: José Conrado Santos, da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Sebastião de Oliveira Campos, da Federação do Comércio (Fecomercio-PA), Carlos Fernandes Xavier, da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), e Elizabete Maria Pinheiro Grunvald, da Associação Comercial do Pará (ACP).
MENDONÇA POSSUI R$ 43,3 MILHÕES EM DÍVIDA ATIVA
Vice-presidente da Fiepa e figura importante no setor siderúrgico paraense, Mendonça é dono de terras na baía do Marajó, onde possui 12.841 hectares — equivalentes à metade da área urbana de Belém —, divididos entre os municípios de Portel e Melgaço. Este último ocupou, até 2013, o inglório posto de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil.
Boa parte das fazendas, no entanto, está parada, como o observatório já mostrou. De acordo com o Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), seis dos catorze imóveis de Mendonça são classificados como grande ou média propriedade improdutiva. Em área, 8.377 hectares.
O empresário liderou três empresas na área de siderurgia, todas hoje inativas: Copala Indústrias Reunidas, Empresa de Construções Civis e Rodoviárias (Eccir) e Companhia de Agregados Leves do Pará (Cialpa). A Copala é listada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região como uma das cem companhias com maior número de execuções trabalhistas no Pará e Amapá: catorze ao todo.
Ré em 28 processos, ela fechou as portas em 2018. Também ré, a Cialpa foi condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) à inscrição na dívida ativa da União pelo recebimento irregular de créditos pelo Banco da Amazônia. Ao todo, Mendonça possui R$ 43,3 milhões em dívida ativa.
SANTOS PEDIU QUE TEMER EXTINGUISSE FUNDO AMAZÔNIA
De Olho nos Ruralistas contou, na mesma reportagem, que o ataque à legislação ambiental faz parte da biografia de José Conrado Santos. Em 2017, ele escreveu uma carta ao então presidente Michel Temer solicitando a “imediata suspensão do Fundo Amazônia: “Empresários do Pará pedem a Temer que acabe com Fundo Amazônia“.
Essa seria, escreveu, a “forma mais adequada” para recuperamos o respeito internacional. “O que sentimos hoje é o desrespeito à nossa condição de amazônida e, com isso, ver a nação brasileira ser humilhada quando de sua presença na Noruega”, continua a nota.
Em novembro de 2021, o executivo participou de uma “missão” da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em Dubai, nos Emirados Árabes, junto a outros empresários. Durante o Invest in Brazil Fórum, organizado pela Apex Brasil, eles apresentaram o país e mostraram as “potencialidades” de negócios na Amazônia para investidores estrangeiros.
A abertura contou com as presenças do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na ocasião, José Conrado Santos afirmou que as indústrias de base florestal, assim como outros segmentos do setor produtivo, “trabalham dentro das normas ambientais”, o que, segundo ele, os deixam plenamente aptos para a competitividade internacional.
No mês seguinte, o empresário voltou a se encontrar com Bolsonaro, em almoço promovido pela CNI em Brasília. A intenção: “demonstrar ao presidente e sua equipe a importância da indústria para o desenvolvimento econômico brasileiro”.
CONVENÇÃO TRATA DA SITUAÇÃO DE POVOS TRADICIONAIS EM SETENTA PAÍSES
A Convenção 169 da OIT representa um consenso alcançado pelos constituintes tripartites (governos, organizações de trabalhadores e empregadores) sobre os direitos dos povos indígenas e tribais nos Estados-membros em que vivem e as responsabilidades dos governos de proteger esses direitos.
O acordo afeta mais de 5.000 povos indígenas, constituindo uma população de mais de 370 milhões de pessoas, que vivem em mais de 70 países em todas as regiões do mundo. Esses povos possuem diversas línguas, culturas, práticas de subsistência e sistemas de conhecimento.
O tratado baseia-se no respeito às culturas e aos modos de vida dos povos indígenas e reconhece os direitos deles à terra e aos recursos naturais. A intenção é superar práticas discriminatórias que afetam essas populações e assegurar que elas participem na tomada de decisões que impactam suas vidas.
Para ter vigência em um Estado-membro da OIT, a Convenção necessita de um ato formal. No caso do Brasil, este ato foi registrado em 25 de julho de 2002, seguindo a decisão do Congresso Nacional. Por meio do Decreto Legislativo número 143, de 20 de julho de 2002, o país se comprometeu a cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado.|| Mariana Franco Ramos é jornalista.
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