Vale do Javari: Univaja escolhe indigenista e amigo de Bruno Pereira para assumir vigilância
Por Revista Cenarium - Com informações da Folhapress
MANAUS – A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) irá retomar os trabalhos das equipes de vigilância indígena e escolheu o indigenista Carlos Travassos, 42, para assumir as ações que Bruno Pereira desenvolvia com as populações locais de parte do Amazonas.
O indigenista e o jornalista britânico Dom Phillips, que viajava pela região para escrever um livro, foram assassinados no Vale do Javari em junho deste ano. Bruno e os indígenas da região rastreavam crimes em andamento nas terras protegidas do vale e tinham sido ameaçados de morte.
Três homens se tornaram réus sob acusação de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáveres. São eles: Amarildo Oliveira, o Pelado; Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha; e Oseney de Oliveira, o Dos Santos. Há ainda mais suspeitos de envolvimento no crime.
Ruben Villar, conhecido como Colômbia, é investigado por supostamente financiar uma associação criminosa armada que se dedicaria à prática da pesca ilegal no Vale do Javari. A Polícia Federal já apontou que ele é suspeito de ter envolvimento nas mortes de Bruno e Dom.
Colômbia foi preso após se apresentar espontaneamente à PF com documentos falsos para afirmar que não tinha relação com o crime e com tráfico de drogas. Após pagar fiança de R$ 15 mil, ele foi solto nesta semana e usará tornozeleira eletrônica.
Travassos, que conhecia Bruno e trocava informações com ele sobre questões indígenas, diz querer levar adiante o legado do amigo no Vale do Javari. “É importante que a gente honre o trabalho dele dando continuidade”, afirma Travassos.
Assessoria
O indigenista que dará assessoria técnica à Univaja trabalhou por nove anos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e já foi parte da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, braço que ajuda na localização e proteção de populações indígenas isoladas.
Logo, tem experiência com os indígenas isolados e de contato recente, algo importante na Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior do Brasil e considerada como o local com maior concentração desses grupos no mundo.
Nos últimos anos, Travassos foi responsável pela assessoria técnica dos Guardiões da Floresta do povo Guajajara da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Os guardiões são grupos indígenas conhecidos pela dedicação à vigilância e proteção de suas terras, e, eventualmente, até tentar prender invasores —basicamente, a autodefesa do território. O indigenista ajudava, entre outras coisas, na formação dos guardiões e planejamento de ações.
No Javari, Travassos irá desempenhar papel semelhante de auxiliar na proteção do território e na gestão das informações sobre os invasores da área protegida.
“As duas realidades são muito perigosas. Você tem uma dificuldade das instituições de segurança pública de atuar dentro das terras indígenas”, diz à Folha Travassos. “Em termos de violência é bem complicado.”
Mortes
O indigenista relembra os cinco guardiões assassinados no Maranhão desde 2015, entre eles Paulo Paulino Guajajara, em 2019, e as mortes no Javari do colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, em 2019, e de Bruno Pereira.
Apesar da violência comum a ambos, os locais possuem situações consideravelmente diferentes, segundo o indigenista.
No caso da terra indígena em que atuava no Maranhão, Travassos aponta que a área está “cercada” por numerosas invasões por todos os lados e que isso já leva a impactos ambientais e socioculturais muito fortes.
Região complexa
“Vamos dizer que seria o retrato do Javari daqui não sei quantos anos. Mas espero que não”, afirma.
Entre as complexidades na Terra Indígena Vale do Javari estão a proximidade com a tríplice fronteira com Peru e Colômbia, a presença do narcotráfico e uma dificuldade muito maior de chegar aos pontos de invasão, em comparação à realidade vivida por Travassos no Maranhão
Considerando a violência na região do Javari, o indigenista aponta que, por questão de segurança, há contato constante com as autoridades e cuidados nos deslocamentos. Além disso, Travassos sempre anda em companhia de outras pessoas.
Mesmo com os problemas e o pesado crime perpetrado no Javari contra Bruno e Dom, a atenção das autoridades ao local é fugaz, diz Travassos. “O risco de se perder o controle, o relativo controle do território é muito alto”, afirma.
Apesar disso, eventualmente, os assassinatos recentes e a situação atual podem levar a, de fato, uma presença estatal maior e, além disso, ao fortalecimento das instituições indígenas.
“Aparecem mais jovens, mais guerreiros que querem participar da proteção da terra indígena”, afirma Travassos, que diz que a tentativa dos criminosos de prevalecer na região a partir da morte de Bruno não terá sucesso. “Se estão achando que vão enfraquecer a gente, vamos ficar mais fortes.”
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